Abril Azul: autismo pode ser diagnosticado por Inteligência Artificial a partir de imagens
14 / Maio / 2024
No Mês de Conscientização sobre o Autismo, especialistas explicam como a tecnologia tem antecipado diagnósticos e terapias para o transtorno do espectro autista
Criada para dar visibilidade às informações sobre o transtorno do espectro autista (TEA), a campanha Abril Azul marca o Mês de Conscientização sobre o Autismo. Neste ano, além da divulgação de conhecimento para combater o preconceito, a ação pode comemorar novos avanços tecnológicos de diagnóstico. Um algoritmo de inteligência artificial (IA) demonstrou resultados precisos ao diagnosticar o autismo a partir da análise de imagens das retinas de pacientes.
A pesquisa, divulgada em dezembro de 2023 pela Yonsei University College of Medicine, da Coreia do Sul, apresentou 100% de precisão ao utilizar a IA para diagnosticar o autismo em crianças. O estudo analisou 1.890 fotos de retina das 958 crianças, com média de idade de 7,8 anos. Para realizar as observações do nervo óptico, os pesquisadores selecionaram uma metade dos participantes sendo pacientes já diagnosticados com o Transtorno do Espectro Autista (TEA) e a outra sendo um grupo de controle para idade e sexo.
Sendo uma das primeiras a identificar marcadores bioquímicos do distúrbio do neurodesenvolvimento, a descoberta científica pode representar maior agilidade na etapa de diagnóstico, quando aplicada no cotidiano. Atualmente, pessoas com TEA passam por um longo processo de análise multidisciplinar até conseguirem um parecer e algumas chegam a receber a constatação já na vida adulta. A demora do laudo ocorre, principalmente, pela complexidade de identificação do autismo, já que, por enquanto, não há uma opção disponível de teste laboratorial para obter um diagnóstico mais objetivo.
A complexidade de diagnosticar os pacientes por meio de observação comportamental exige a avaliação de diversas especialidades da saúde. “É importante entender que qualquer diagnóstico possui uma origem multifatorial, por isso que, antes do laudo de autismo, os profissionais precisam compreender os aspectos gerais do paciente, seja na área das relações sociais, aprendizagem ou sensorial”, explica Eduarda Lima de Oliveira, psicóloga e professora de Psicologia na UniRitter. Nesse sentido, uma tecnologia capaz de analisar o paciente por parâmetros exatos poderia encurtar o tempo de espera pelo diagnóstico.
O professor de Tecnologias da Informação da UniRitter Vinícius Cassol considera que a maior contribuição da inteligência artificial para a saúde é a capacidade de analisar uma quantidade de informações que seria humanamente impossível. “A IA vem no sentido de acelerar esse processo ao interpretar um conjunto de dados muito maior e com acurácia superior”, comenta ele. Em comparação, “o processo de diagnóstico feito pelo médico ocorre a partir da sua experiência profissional, conhecimento de casos e do que ele já estudou, sendo essa uma base menor de dados”, avalia o professor.
Por isso, na fase inicial de acompanhamento clínico, segundo o especialista, “a assistência tecnológica deve servir como um ponto de partida para a análise feita pelos médicos, sendo um apoio para ganhar tempo com as opções de tratamento”. Essa agilidade poderia fazer a diferença inclusive no resultado das terapias que buscam melhorar a qualidade de vida do paciente. Segundo a psicóloga, “o diagnóstico serve como mapeador para que os profissionais possam elaborar um plano de trabalho que guie o paciente para condições melhores de vida”. Além disso, de acordo com a especialista, “quanto antes a terapia de estímulos começa, mais habilidades podem ser exploradas com a criança no decorrer do desenvolvimento”.
A escolha das terapias adequadas também está diretamente relacionada à identificação do nível de suporte do paciente. A professora comenta que os profissionais avaliam a intensidade de suporte necessário de cada pessoa, seguindo os critérios do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Americana de Psiquiatria), de acordo com nível 1, 2 e 3. “Quando se fala nesses níveis, quanto mais alto, mais assistência o paciente precisa no cotidiano”, explica Eduarda. Sobre a importância dessa avaliação, segundo a especialista, “a classificação de níveis de suporte é necessária para guiar os profissionais que vão acompanhar esse paciente, mas não para limitar a pessoa com TEA”.
Em algumas vezes, a falta de conhecimento sobre as condições atípicas de neurodesenvolvimento acaba afastando as pessoas da busca pelo diagnóstico, principalmente em casos quando o paciente apresenta o primeiro grau de suporte. “O movimento de diagnóstico tardio está diretamente relacionado ao estereótipo que se cultiva de que todos os autistas têm as mesmas características e enfrentam os mesmos desafios, o que não é verdade”, reflete a psicóloga. “As pessoas no espectro autista são diversas em personalidades e até em níveis de suporte”, ressalta ela. Nesse aspecto, os estudos com inteligência artificial ainda apresentam limitações para identificar os graus dos pacientes. Por isso, segundo o professor de TI, “a IA é capaz de fornecer dados mais rápidos, mas o profissional é indispensável, porque é ele quem assina o laudo, avalia e complementa a análise feita pelo algoritmo”.
Desafio para toda a família
Além de ser fundamental para encontrar um acompanhamento profissional adequado para o paciente, o diagnóstico de TEA também possibilita uma melhor qualidade de vida para os familiares que enfrentam junto os desafios da inclusão. De acordo com a professora de Psicologia na UniRitter, “os cuidadores dessa criança também precisam de uma rede de apoio para seguirem contribuindo no processo de desenvolvimento dela”, pontua Eduarda.
Por isso, um plano terapêutico para o paciente com TEA tem maior efetividade quando envolve a família que está presente no cotidiano dele. “O profissional que cuida da criança com autismo precisa psicoeducar esses pais. É preciso passar para eles o porquê de certos comportamentos do paciente, ensinar mecanismos para lidar com as situações e como estimular o desenvolvimento de habilidades fora das consultas”, conclui a especialista.
Políticas públicas
Além da dificuldade de acesso ao diagnóstico, conseguir o acompanhamento profissional adequado para a pessoa com TEA e seus familiares também pode ser um desafio. Entre as iniciativas de políticas públicas para essa população, o Rio Grande do Sul se destaca desde 2019, quando aprovou a Lei Estadual 15.322/2019, conhecida como Lei Gaúcha Pró-Autismo.
A legislação é implementada por meio do projeto TEAcolhe RS, que executa atendimento multiprofissional integrado com atenção às áreas de assistência social, educação e saúde. O programa conta atualmente com 53 unidades de centros de referência em transtorno do espectro autista, espalhadas pelas sete regiões do estado. Os serviços gratuitos para pacientes e familiares são disponibilizados via Sistema Único de Saúde (SUS), em parceria do governo estadual com as APAEs, buscando fortalecer e qualificar a rede local de atendimento.